segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Caetano Veloso - Caetano Veloso (1968)


"Caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, no sol de quase dezembro, eu vou."

Músicas:
01. Tropicália
02. Clarice
03. No Dia Em Que Eu Vim-me Embora
04. Alegria, Alegria
05. Onde Andarás
06. Anunciação
07. Superbacana
08. Paisagem Útil
09. Clara
10. Soy Loco Por Ti, América
11. Ave Maria
12. Eles

Tente imaginar uma mistura de guitarras elétricas, metais, instrumentos indianos, um pouco de Stravinsky, baião, iê-iê-iê, ritmos latinos como o mambo, algo do "Sgt. Peppers..." dos Beatles e do "Pet Sounds" dos Beach Boys, a atmosfera do filme "Terra Em Transe" de Glauber Rocha e uma vontade gigantesca de quebrar todos os paradigmas. Assim você terá uma noção, ainda vaga, do que é esse disco.

O Caetano deste disco não parece, nem de longe, o Caetano que gravou o caretíssimo e monótono ''Domingo", primeiro disco dele, algum tempo antes. Lançado em janeiro de 1968, o que se tem aqui é o primeiro trabalho do chamado Tropicalismo (o emblemático ''Tropicália ou Panis et Circenses" seria lançado meses depois), trabalho este que condensa tudo o que o movimento passava, desde a foto do cantor no melhor estilo Valderrama em sua coloridíssima capa até o final da última faixa, com a frase ''Os Mutantes são demais!", tudo transpira inovação. Bom, os ideais daqueles artistas e o impacto causado pela sua arte até hoje causam discussão, então vou me enfocar no mais importante, que é a música.

O disco já começa de forma inusitada, com um improviso do baterista Dirceu no microfone (nota: o Gaus mencionado nessa parte era o técnico de som do estúdio). Em seguida os primeiros acordes de Tropicália ressoam. Só essa música, com seu turbilhão de elementos musicais distintos (música clássica, rock e baião juntos em menos de 4 minutos de música...) e as várias citações de elementos da nossa cultura na letra, já daria páginas e páginas de interpretações. Em seguida vem Clarice, a música mais ''MPB'' do disco, tanto é que foi incluída no álbum só depois de muita resistência por parte do cantor. De fato ela fica meio deslocada, mas não deixa de ser uma bela canção.

No Dia Em Que Eu Vim-me Embora tem uma letra autobiográfica, mas ao contar a migração do personagem ''sozinho pra capital'', ela acaba se desprendendo do tom de desabafo pessoal para se tornar a história de tantas e tantas outras pessoas que passaram pela mesma situação. E em seguida vem Alegria, Alegria, outro capítulo a parte. Essa é uma música interessante, o clima de nostalgia dela é tocante, não só para os que viveram aquele final de década tão marcante, mas também para aqueles que não viveram aquilo. Nostalgia do não vivido, isso parece incoerente, mas é exatamente o que a música passa, seja pelo ritmo marchante da música, seja pela ode à liberdade contida em sua letra, enfim...

Apesar de toda a sua significância, o disco não é irrepreensível. Músicas como Onde Andarás e Clara não apresentam muito brilho, sendo daquelas facilmente 'puláveis'. Superbacana é curta e simples, tanto lírica quanto musicalmente, mas sua qualidade é justamente essa simplicidade que a torna tão divertida. Soy Loco Por Ti, América (que carrega o pesado fardo de já ter sido abertura de uma novela) é uma homenagem a Che Guevara, morto um ano antes, e fala com orgulho do continente e do seu povo em um rasgado portunhol, sobre um 'swingado' ritmo que apresenta muitas características do mambo, em especial na percursão e na inspirada linha de baixo. Jà a faixa que fecha o disco, Eles, é outro grande destaque, e infelizmente na maioria das vezes é subestimada. Instrumentos indianos, a viagem dos Mutantes dos intrumentos, a letra dotada de uma equilibrada e sutil crítica. Encerramento perfeito.

Como a obra que inaugurou um movimento tão polêmico como o Tropicalismo, é óbvio que este disco já tem seu lugar cativo na história da música brasileira. Marcado pela universalidade, o álbum aproxima em vários momentos a MPB de elementos até então naturalmente distantes dela, como as guitarras elétricas e a música pop em geral, o que causou estranhamento geral na época do lançamento e até hoje ainda não é muito bem compreendido por alguns. O fato é que este é um daqueles trabalhos imprescindíveis para quem quer entender um pouco melhor os rumos tomados não só pela música, mas pela cultura brasileira em geral.

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